segunda-feira, 30 de novembro de 2015

♥ segunda feira



A simple band of gold
Wrapped around my soul
Hard forgiving, hard forget

Then you came my way on a winter's day
Shouted loudly come out and play
Can't you tell I got news for you
Sun is shining and so are you

domingo, 29 de novembro de 2015

Conto "Aniquilada" (publicado na Maria Capaz)

Escrevi, para a Maria Capaz, um texto sobre a forma como o amor-próprio de uma mulher pode ser a única coisa que lhe resta e que a salva de uma situação degradante e de desrespeito perante si e perante os outros.
Mostro-vos abaixo um excerto, mas podem ler o texto integralmente na plataforma, seguindo este link.

"No entanto, ultimamente eram mais as noites em que adormecia tarde, já não embalada mas incomodada pelo ressonar desprendido dele, enquanto ali ao lado, a escassos centímetros por cima do mesmo lençol, Sofia se debatia, na corda bamba da felicidade e da infelicidade, da certeza e da incerteza. Naquela casa não havia espaço para uma Sofia mal-humorada, cansada ou angustiada. Não havia condições para exigir respeito nem para fazer valer a sua vontade. Naquela casa que se geria de acordo com os horários e as necessidades dele, uma Sofia submissa sonhava rente ao chão, engolia as suas próprias angústias e acabava a noite a lavar os tachos em que as cozinhara."

sábado, 28 de novembro de 2015

"A Ilíada e o nascimento da literatura", pel'O Javali de Vladivostok

Na faculdade tive uma das cadeiras mais interessantes de todos os tempos - literatura clássica -, sendo que o estudo se focou, sobretudo, nas obras de Homero. Conhecia-as por alto, mas a partir do momento em que tive de ler quer a Ilíada quer a Odisseia fiquei encantada com cada uma delas.
Ontem, um pouco por acaso, decidi ir a uma feira do livro noturna organizada pela Flâneur, que teve espaço para um momento de stand up comedy a cargo do auto-intitulado Javali de Vladivostok, aparentemente também conhecido por Bruno Henriques. 
Durante cerca de meia hora, num tom obviamente humorístico e com recurso a uma representação através de bonecos de lego, ele fez uma análise da Ilíada (aquela que inspirou o filme Tróia), trazendo-me à memória muitas das anotações que fui espalhando pelas páginas do meu exemplar há alguns anos atrás.
Para quem não sabe, a Ilíada relata a guerra de Tróia, iniciada quando a Helena de Esparta, casada com o rei Menelau, foi como que raptada de livre vontade por Páris, de Tróia. A genialidade da obra passa por que nos nos permite assistir ao arco todo dos dez anos de guerra naqueles 14 dias (de narração) e que trata principalmente a guerra interior de Aquiles que, por acaso, é um pulha e o Luke Skywalker é que é fixe. Na verdade, tal como o Bruno Henriques disse, transpondo-me novamente para uma sala de aulas da faculdade de letras em frente à minha professora, o Aquiles é o mais real dos heróis, o mais humano deles todos, pois revela fraquezas e dilemas morais, contrariando um pouco a ideia de herói como a perfeição que queremos atingir.
Penso que o Javali de Vladivostok cumpriu o seu propósito: saí dali bem-disposta com vontade de reler a história e de analisar, passado todo este tempo, os vários aspetos relevantes da obra.
A minha opinião é parcial, bem sei, mas tudo o que sejam iniciativas que aproximem o público da literatura são louváveis.


Apresentação do elenco principal


Quando Heitor matou Pátroclo e Aquiles regressou à guerra

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Voltar aos sítios onde fomos felizes

Dizem que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes, sob o risco de já nada ser igual: as imagens, as pessoas, as sensações, os pensamentos e as emoções.
Lembro-me de pensar assim quando arrisquei voltar a Paris um ano após lá ter vivido. Tinha-me apaixonado a sério pela primeira vez, tinha feito fortes amizades, tinha vivido momentos inesquecíveis. Tinha deixado na cidade uma parte significativa de mim e tinha deixado que a Paris de 2007/2008 passasse a ser parte integrante de mim.
Nada era como dantes, de facto. Tinham-se passado vários meses e aquela Paris já não era a mesma de 2007/2008, tal como eu. A minha rotina estava de volta ao Porto, a maioria das pessoas que lá conhecera tinha regressado a casa e as que por lá permaneciam tinham-se descentrado do nosso ponto de encontro. Desta vez estava lá de férias, temporariamente. Já não era aquele o meu dia-a-dia nem a minha casa.
Mas eu sabia disso e, ainda que não tenha sido possível escapar à nostalgia, aproveitei a minha estadia numa perspetiva diferente: a de alguém que já lá tinha sido feliz.
Talvez a expressão correta seja que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes com expectativas elevadas, sob o risco de saírem defraudadas e sermos incapazes de desfrutar desse regresso.
Ontem, sem ter feito planos para tal, fui novamente a um sítio onde fui muito feliz, que me ocupou a maior parte dos dias durante um relativamente longo período de tempo.
À entrada receei sentir um murro no estômago ou palpitações nervosas na viagem de retrocesso no tempo. Todavia, uma vez que não tinha podido dedicar-me sequer a criar expectativas, tratou-se apenas de fazer um mesmo caminho, ver algumas das mesmas caras, repetir um pouco de uma rotina há muito deixada para trás e que me trouxe ótimas recordações e sensações que tinham sido já postas de lado.
Devemos voltar aos sítios onde fomos felizes, sim. São esses os nossos refúgios seguros, nem que seja apenas no nosso imaginário.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Sara vai ao P3 (segunda volta) - "Põe quanto és no mínimo que fazes"

O meu primeiro contacto consciente com Fernando Pessoa, foi no 12º ano, há já dez anos, pela voz de uma professora completamente apaixonada pelo que fazia e pelo que ensinava.
Não é a coisa mais rara encontrar um profissional que desempenhe o seu dia-a-dia com vontade e orgulho, mas a verdade é que um professor inspirador deixa as suas marcas, é louvável e merece ser recordado mesmo passados tantos anos, porque foi/é, sem dúvida, parte importante da nossa criação enquanto pessoas.
Numa espécie de homenagem, escrevi uma crónica baseada num poema de Ricardo Reis, intitulada Sê todo em cada coisa, publicada hoje pelo P3.

Para lerem o texto, basta clickarem neste link.

♥ segunda feira



Do you feel the lightning inside of you?
Will you follow through if I fall for you?
Don't look down
Up this high, we'll never hit the ground

I kinda feel like I, feel like I saw the light
You got me way up, a thousand miles
Can we stay right here in this atmosphere
Or are you afraid to fall?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Efemeridade

Era cedo – os primeiros raios de sol começavam a iluminar a rua ainda fria e húmida pela noite de outono, para lá das persianas fechadas. Abriu os olhos para o escuro, sentindo-se quente e segura, com o braço dele pousado distraidamente por cima da sua barriga.
Sorriu e quis poder tirar uma fotografia para usar como prova para ele, que dizia sempre ser incapaz de abraçar alguém durante o sono. Em vez disso, voltou-se para ele muito devagar, para não o acordar, e devolveu-lhe o abraço. Esfregou levemente o nariz no pescoço dele, recebendo laivos do seu perfume. Apertou-o com força, mesmo consciente de que tal gesto poderia desfazer aquele emaranhado de corpos, a fim de marcar em si tal momento, tão raro, em que todo ele estava em contacto com ela, sem enunciar palavras que lhe afligissem o peito, sem que ela pudesse fazer perguntas cujas respostas não queria ouvir.
Fechou os olhos, sem sono, querendo absorver e perpetuar a sensação de pertencerem um ao outro. Era efémero, sabia disso. Não podia dedicar-se demasiado a esse pensamento, pois precisava de respirar, talvez até de voltar a dormir durante mais uma ou duas horas. No entanto, pressentia, quase ao ponto da certeza, que o seu tempo estava a chegar ao fim. Teriam mais duas semanas. Uma adicional, talvez, em que ela tentaria resolver as coisas, perceber porque se teria ele afastado, embora soubesse a resposta: passaria a ter os dias mais livres, teria menos tempo para ela.
Aquele oximoro doía-lhe na pele, na alma e na cabeça. Fizera tudo para ser suficiente para ele, conseguira-o, finalmente, quando as circunstâncias se haviam conjugado favoravelmente, mas aquela pausa tinha um final à vista e, com ela, levaria a sua suficiência.
Exagerara. Permitira-se deixar controlar pela espiral de pensamentos dois passos à frente, pelo que lhe faltava agora o ar, os olhos humedecidos ardiam-lhe e a cabeça latejava de medos. Não sabia como iria voltar à vida sem ele, sem o saber disponível e à sua espera.
Não ia conseguir voltar a dormir.
Apertou-o um pouco mais, inspirou fundo e murmurou muito baixinho, não fosse ele ouvir:
- Amo-te. És a melhor parte de mim e o melhor do meu dia. És a melhor visão do meu futuro… quem me dera ser a tua.
Libertou-se do peso dele, deslizando pela cama fora.
Desceu as escadas em direção à cozinha, por onde a claridade daquela manhã antecipava um dia frio, de horas perdidas no chão, em cima de um cobertor, em frente à lareira acesa.
Imaginava-se parte daquela casa, das rotinas, do sobe e desce típico da azáfama familiar. Sabia que encaixava ali, sentia-se em casa na casa que não era a sua, à qual conhecia os cantos e as manhas. Havia pequenas marcas suas, mesmo muito ténues, que lhe davam, de vez em quando, a ilusão de que um dia não voltaria a sair de lá.
Era ele o homem da sua vida, era aquela a vida que escolhera e escolheria para si, mas que lhe era vedada uma e outra vez, como se errasse perante as decisões do Universo e este fosse pegando nela para a colocar novamente no caminho do desígnio que era suposto cumprir.
Uma e outra e outra vez.
Sabendo que tinha os dias contados, ao mesmo tempo que reaprendia a viver sem ele precisava de – devia-se – aproveitar cada instante em que respiravam o mesmo ar, já que podia ser o derradeiro.
Deitou café em duas canecas, barrou manteiga em quatro torradas, cortou pedaços de fruta para uma taça grande e subiu as escadas de volta ao quarto, com o tabuleiro do pequeno-almoço nos braços. Ao transpor a porta, deu com ele sentado na cama a ler, iluminado pela luz que entrava pela persiana aberta até meio.
- Ia zangar-me contigo por não estares aqui – começou. – Mas depois senti o cheiro do café e, com a fome com que estou, achei melhor deixar-te alimentar-me.
Sentou-se ao lado dele na cama, feliz.
- Adoro alimentar-te.
Deixa-me alimentar-te para o resto da vida. Foi o pedido que calou, engolido num soluço.
Deixou as torradas quase intactas e o café bebido apenas até meio. Comer era uma perda de tempo, especialmente quando o estômago se fechara e não parecia ir colaborar tão cedo.
- Que se passa contigo? – perguntou ele.
- Nada – respondeu ela, num fio de voz. – Fazes-me feliz.
A ideia de desapareceres é que me destrói, pensou.
Ele puxou-a para si e, no quarto que um dia pensara vir a ser o seu, amaram-se. Ou assim lhe pareceu, sufocada pelo peso dele à sua volta, perdida no aroma do seu corpo, com o coração totalmente entregue a ele.
Não sabia como ia proteger-se, como ia lidar com a ausência dele, uma vez mais. Não depois do sonho, de várias utópicas semanas de romance quase real. Parecia real. Fora real.
Era fraca demais para o ver virar-lhe costas e virar-lhas também, não tinha nada a que se agarrar, que a mantivesse viva dia após dia, digna de si.

Duas semanas mais tarde, nua, no chão da sua casa de banho, teve uma decisão para tomar. A mais importante até então. Provavelmente a mais importante daí para a frente.
Por ironia, a pessoa que a ajudaria a resolver uma encruzilhada assim era precisamente aquela com quem não sabia se queria partilhar aquela indefinição. Não estava pronta, mas queria-o, mais do que qualquer outra coisa na vida.
Sentia-se fraca, com a cabeça vazia, incapaz de raciocinar e de desempenhar a mais básica das tarefas, como tomar duche. Mal disposta, arrastou-se para debaixo da água quente.
Aquela que previa vir a ser a decisão dele era-lhe inconcebível. Seria dolorosa demais em todos os sentidos, destrui-la-ia um pouco mais deixando-a sem nada, vazia dele, de si, de sonhos e de qualquer dignidade. Estava sozinha, escolheu.
Bateu-lhe à porta de casa com a desculpa de lá ter deixado um casaco. Longe do olhar dele, recolheu as poucas coisas que ali fora deixando, abraçou-o com a força de quem sabe ser a última vez e foi-se embora, deixando para trás um adeus, o seu grande amor e a vida que nunca lhe pertencera.
Esperava-a um futuro diferente daquele que alguma vez teria pedido. Não estaria, todavia, sozinha: se tudo corresse bem, em breve começaria uma nova vida com o fruto daquela relação. E nunca mais teria de despedir-se dele.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Procurei-te

Procurei-te, sabes? Talvez não no verdadeiro sentido da palavra, de meter pés ao caminho e calcar terreno, levantar pedras, dobrar esquinas até te encontrar, mas procurei-te.
Assim que soube, naquela fatídica e fatal sexta feira, o que estava a acontecer, o meu primeiro pensamento foi, admito, para mim, para a vida que construí em Paris e para as memórias que lá guardei, espalhadas pelas pontes, pelos museus, pelo XIVe arrondissement e pela rede de metro, de RER e de Tram.
O segundo... foi para ti.
Procurei-te em mim, mesmo sabendo que desde o dia em que precisei de retirar-te de mim não iria conseguir encontrar-te. Quando tens um melhor amigo, praticamente irmão, sabes descobri-lo e pressenti-lo bem ou mal sem teres de trocar uma palavra que seja com ele nesse momento, mas, (in)felizmente, essa ligação desaparece quando recuas, quando te proteges e te refugias em ti, longe do outro. O canal de comunicação quebra e dificilmente volta a funcionar.
Tarde na noite - talvez se pudesse chamar já madrugada -, a televisão fazia-me chegar imagens de gente devastada pelo que tinha visto, de corpos inertes no chão tapados por lençóis brancos. Penso que foi nessa altura que senti uma vontade crescente de chorar por mim, por eles... e por ti, que lá estarias, algures. Podias ser uma das que ficaria para sempre marcada pelo testemunho direto, podias ser uma das que perderam alguém, podias ser uma das que não poderiam mais contar a sua história.
Por todo o lado procurei uma ligação a ti. Questionava se cada vítima seria tua amiga, colega ou familiar. Tentei sentir-te em cada local filmado pelos diversos canais presentes.
Digo que não senti, mas se calhar foi essa ausência de pressentimento que me permitiu dormir até à manhã seguinte relativamente tranquila, até ter sabido, finalmente, que tinhas sido uma das sortudas a quem os acontecimentos chegaram através de um ecrã. 
Obrigada.
Pouco depois li o que tinhas a dizer sobre o assunto e percebi que aquela que era a minha cidade, aquela que te trouxe, também a ti, para a minha vida, é agora a tua cidade, a tua casa, onde é suposto continuares a ser feliz. E temi que não voltasses a encará-la dessa forma.
Hoje, no entanto, dei como falhada a minha missão de te excluir de mim quando constatei que ainda te conheço. Procurei-te e não foi fácil encontrar-te, mas apazigua-me a ideia de que aquela que já foi a minha casa (e que, de certa forma, ainda o é um pouco, quando aquela onde vivo no mundo real não me é suficiente) é, agora, a tua. E aí posso voltar a encontrar-te.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

A normalidade

Cheguei a Paris pela primeira vez na noite de 27 de setembro de 2007. Estúpida e ignorantemente, não estava nos meus planos visitá-la, especialmente porque, apesar de adorar a língua francesa – tanto que a escolhi para a minha área de estudos –, permitira-me criar e alimentar uma ideia baseada em clichés preconceituosos, que mais tarde se provou errada, de que todos os franceses são arrogantes e egocêntricos.
Mal saí do avião fui acometida por uma enorme sensação de pânico que acompanhou a pergunta histérica: que é que eu vim para cá fazer sozinha durante um ano?
Quis vir embora por duas ou três vezes, mas Paris revelou-se, ao longo dos meses, uma cidade de encantos indescritíveis. Passei a sentir-me quase tão em casa como no Porto, fui conhecendo os cantos menos turísticos, segui rotinas, pisei os mesmos passeios várias vezes sem conta e, sem eu sequer ter planeado, Paris marcou o início de uma das melhores fases da minha vida, que trouxe comigo de volta para o Porto, que ficará para sempre gravada em mim. Ainda hoje, quase dez anos depois, consigo pensar se não fosse Paris não estava aqui hoje, com esta pessoa, a fazer isto.
Aquela cidade, onde mesmo os lugares feios e sujos são parte de um carisma inigualável, habitada por gente agradável, bem arranjada, prestável, que acolhe, agora, uma diversidade imensa de culturas, nacionalidades e religiões, conquistou as minhas barreiras das ideias pré-concebidas de tal forma que pensar nela ou apenas no seu nome, ou rever imagens minhas ou de outros com Paris como pano de fundo, me traz uma estranha sensação de nostalgia de uma era perdida, que não voltará nunca, onde tudo era perfeito e eu tinha o mundo todo diante de mim, com todo o tempo disponível para o conquistar.


Na sexta-feira estava a jantar com uns amigos que agora o são, embora não diretamente, apenas graças à minha estadia em Paris quando, mesmo sem os óculos, vi na televisão as imagens horripilantes dos atentados. Penso que não há um nome para descrever aquilo que senti: uma espécie de apatia, como se me recusasse a aceitar que era real, envolvendo o nojo típico de quando algum estranho invade aquilo que é nosso, lhe remexe e altera a ordem das coisas lá dentro. O estômago doía pelas pessoas que viam aqueles cenários em primeira mão.
Um pouco mais tarde, sentada no sofá no conforto de uma casa, com a televisão ligada, saltei de canal em canal, onde desfilavam imagens, reportagens, noções, comentários e testemunhos dos acontecimentos daquela noite.
Tive vontade de chorar pelos mortos, pelos feridos, por Paris, pelo mundo, mas não consegui fazê-lo.
No dia seguinte, as imagens, os vídeos e as notícias continuavam focadas apenas nos ataques a Paris, na subversão dos direitos humanos em prol de um fundamentalismo. Em nome de nada e da aniquilação do todo que é o ser humano.
Dizem os parisienses, os franceses e todos nós que temos o misto de sorte e de infelicidade de assistir impotentes à evolução do terrorismo, que não deixaremos o medo vencer-nos.
Mas será mesmo assim, quando já nem uma lâmpada que rebenta é apenas tida como tal? Como se entra numa sala de espetáculos sem pensar no que aconteceu e no que pode acontecer-nos a nós? Como se chega a sexta-feira e se vai beber um copo sem olhar por cima do ombro? Como se volta à normalidade?
Sim, porque esta não pode ser a nova normalidade…

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Flâneur - um conceito de livraria diferente

A bicicleta não é só um elemento decorativo: é o meio de transporte para entregas de livros dentro da área do Porto
Baudelaire ensinou-nos que um flâneur é uma pessoa que anda pela cidade a fim de experimentá-la, isto é, aquele que deambula para adquirir conhecimentos, experiências e registar imagens e vivências.
Foi um pouco desta premissa que surgiu a livraria Flâneur: tudo começou com o amor pelos livros e uma bicicleta para os fazer chegar a quem os quisesse mas não tivesse como ir ter com eles.
No entanto, e felizmente, a Flâneur materializou-se num antigo edifício na zona da Constituição, que é acolhedor desde a porta até ao fundo da sala. As paredes recheadas de livros, como seria de esperar, oferecem-nos uma ótima companhia para um bule de chá e uma fatia de bolo caseiro (o de coco é delicioso!).
O menu não se fica por aí e é tudo servido com uma familiaridade e simpatia únicas, quase como se tivéssemos ido a casa de um amigo que nos quis fazer sentir bem-vindos, que nos quis mostrar o que de melhor há na literatura e, ainda, que dá o passo extra para nos ajudar no que for preciso, para colaborar de forma a que venhamos embora com a sensação de que o coração ficou preenchido e de que quando quisermos voltar nem é preciso bater à porta, porque ela já está aberta e há um agradável som de sininhos que assinala a nossa entrada.
Num ótimo aproveitamento do espaço, a Flâneur dinamiza, ainda, diversos eventos esporádicos ou iterativos, como o brunch todos os sábados, as tardes de tricot, o Yoga ou as sessões de poesia.





Livraria Flâneur: http://www.flaneur.pt/
Morada:  Rua Ribeiro de Sousa 225-229
Horário: Terça a Domingo, das 10:00 às 20:00
E-mail: livraria@flaneur.pt

♥ segunda feira



I want a love
That the universe
Can never stop
Can never hurt
I want a love that will last
After this world is our past
A love that no time could erase
A love in a higher place

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Magusto

Num estado semi febril provocado pelo cansaço acumulado, desligou o computador e saiu para a escuridão cerrada da rua, deixando para trás a iluminação branca do escritório e a algazarra dos colegas, típica de cada final de dia.
Sentou-se no carro, isolada do mundo. Pousou as mãos no volante, apoiou a testa nas costas das mãos e, de olhos fechados, pretendendo fugir de si e do que a rodeava, foi, no entanto, incapaz de escapar ao remoinho da angústia que lhe consumia as entranhas. Sentia-se sozinha, perdida, sem rumo. Não via uma placa, sequer, que lhe desse uma pista do caminho a seguir.
Quase a contra vontade, dirigiu-se à praia. Estacionou o carro virado para o mar e esperou que este fizesse a sua magia e lhe trouxesse a tranquilidade e paz de alma que, ultimamente, se encarregava de lhe conferir. De janelas abertas, inspirou fundo o ar fresco e salgado. Sentiu o nariz arder ligeiramente, pelo que o esfregou nos dedos.
Ao seu redor, ia testemunhando as luzes das casas acenderem-se, assinalando o retomar da vida familiar no final de longas horas de trabalho e de escola. Imaginou aquelas famílias reunidas para jantar ao som de relatos das horas de separação, talvez até de gargalhadas e de planos para o dia seguinte.
Colocou os dois braços ao redor do seu próprio corpo, num reflexo incondicionado de busca de calor humano. Faltava-lhe aquilo de que mais precisava: recuperar aquela sensação de pertença e de entendimento. Queria, mais do que tudo, ser parte de algo, de alguém, de uma família que a esperasse, que precisasse dela e que lhe devolvesse a dedicação e o carinho que tinha para lhe dar.
Era um dia quase banal, não fosse o cheiro das castanhas assadas pelos vendedores ambulantes num pano de fundo de decorações de Natal precoces. De vez em quando detetava-se, também, o fumo escapado pelas chaminés das lareiras caseiras, diante das quais aquelas famílias que não via estendiam uma manta sobre a qual se deitavam a comer castanhas com geleia, manteiga e requeijão e a beber jeropiga ou um copo de vinho. Possivelmente – provavelmente, na verdade –, não era nada disso que se passava dentro de qualquer uma daquelas casas, mas era isso que, neste ano, queria ter. Muito mais pelo que significava do que pelo ato em si.
Toda a gente tinha alguém, toda a gente fazia parte de algo. Menos ela, contando com a sua própria companhia, apenas, e com a do mar, que tinha mais que fazer do que prestar-lhe atenção.
Fez marcha atrás, pôs o carro em movimento e encaminhou-se para casa, mentalizando-se de que não temos aquilo que queremos, mas aquilo que nos calha na roleta russa da vida. De nada lhe serviria sonhar, ou rezar ou acreditar em superstições.
Mal meteu a chave na porta, antes ainda de atirar com os sapatos para um canto, ouviu as vozes atropeladas na sala de jantar. Sorriu: eles não tinham consciência da sorte que tinham, porque a davam por garantida. Não sabiam o quanto podiam não ter agora, nem se apercebiam da conquista enorme que é construir, do nada, de uma pessoa só, uma família.
Abriu a porta de acesso à sala e deu com eles perdidos em conversas encadeadas, algumas sem grande sentido, arrancando risos e comentários divertidos. Diante deles, sobre a toalha colorida da mesa, estava uma grande taça de castanhas, um prato com marmelada e queijo, uma pequena taça já quase sem geleia e uma garrafa ainda praticamente cheia de licor.
Sorriu um pouco mais, deixando lá longe, junto ao mar, aquela pessoa perdida e isolada no mundo:
- Há castanhas!
A admiração da mãe foi traduzida pela pergunta do irmão mais velho:
- Mas tu afinal gostas de castanhas?
Abanou a cabeça, mantendo o sorriso:
- Não, não consigo sequer suportar o cheiro das castanhas sem casca.
À volta da mesa, quatro pares de olhos fixaram-na confusos durante alguns segundos, até que alguém retomou a conversa que ela tinha interrompido.
Aquela família não era obra sua, não era o seu legado. Mas era a sua, com as suas próprias tradições, as suas próprias formas de partilhar os acontecimentos do dia e de planear o dia seguinte.
E o seu som preferido era, sem dúvida, o das gargalhadas familiares. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

"Tears in heaven"

Nos primeiros dias de novembro, quando a chuva e a escuridão aceitaram ceder umas tréguas, o sol que voltou a queimar a areia – como se fosse novamente verão em terra – contrastava com a revolução do mar, que fugia, puxado pela própria corrente, em direção ao inverno.
Havia quem lhe chamasse verão de São Martinho, mas havia, também, quem não se perdesse em toponímias e aproveitasse, apenas, o calor fora de horas que relembrava aos mais esquecidos o privilégio que é viver no Porto.
Mariana passou a comprar uma sandes, estendeu uma toalha na praia do Aterro e pousou os pés na areia enganadoramente fria. De vez em quando, o seu silêncio era interrompido por conversas esporádicas de grupos que passavam a correr no passadiço de madeira acima da sua cabeça. Seguia-os com os olhos até os perder de vista e voltava a fixá-los nas ondas, que cresciam lentamente e rebentavam com fúria a escassos metros dos seus pés.
Fingia refletir sobre a vida. Para dizer a verdade, o pensamento tentava focar-se nas decisões que tinha para tomar, no rumo que tinha de definir, mas acabava por ser distraído pelo pescador que montava a sua cana ou pelas gaivotas que disputavam alimento. Vencida, fechava os olhos para ficar a ouvir, apenas, o mar, numa tentativa de algo semelhante a meditação, antes de voltar a concentrar-se em si, no que lhe faltava e no que precisava de fazer.
Foi despertada desse estado de indolência por um som estranho trazido pelo vento. Abriu os olhos incomodada, sentou-se direita e perscrutou a praia, em busca daquele que ousara importuná-la no seu refúgio. Reparou num homem que avançava pela orla do mar, com as calças arregaçadas pela canela e os pés descalços enfiados na areia molhada, de vez em quando submerso pelos restos das ondas que chegavam até si. Vinha de norte e havia uma música forte, semelhante a ópera, que o acompanhava.
Mariana ergueu-se, zangada com a interrupção. Era, realmente, ópera, o som que lhe chegava. E, por alguma razão, aquele desconhecido achara razoável levar um rádio para um local público, ligá-lo e obrigar toda a gente a ouvir.
Avançou alguns passos na direção dele mas estacou ao aperceber-se dos gestos feitos pelo homem e que acompanhavam a música. Não havia rádio algum, nem nenhum outro aparelho semelhante: era o homem que cantava, encantando-a com o som da sua voz forte e potente.
Aproximou-se um pouco mais, receosa de o afastar, até conseguir ver que pela cara abaixo lhe brilhavam dois sulcos húmidos que percebeu terem origem nos olhos que o homem fechava com força.
Ficou ali parada, debatendo-se contra o ímpeto urgente de descobrir quem era ele, o que fazia ali, porque chorava, para quem cantava.
Viu-o, então, enfiar a mão direita no bolso das calças e de lá retirar uma flor que não conseguiu distinguir. Afagou-lhe as pétalas cuidadosamente, como se alisa o papel de embrulho de um presente que se vai oferecer, e lançou-a ao mar. E ali ficou, a vê-la ser disputada pelas vagas, acompanhando aquela dança com uma música que Mariana achava conhecer, mas cuja interpretação tão pessoal cantada pelo homem a impedia de identificar.
No momento em que percebeu a letra, trauteou-a em silêncio, com os olhos inundados pelas lágrimas:

I'll find my way
Through night and day
'Cause I know I just can't stay
Here in Heaven

Time can bring you down
Time can bend your knees
Time can break your heart
Have you begging please

Begging please

♥ segunda feira





I'm prepared for this
I never shoot to miss
But I feel like a storm is coming
If I'm gonna make it through the day
Then there's no more use in running
This is something I gotta face



If I risk it all
Could you break my fall?

How do I live? How do I breathe?
When you're not here I'm suffocating
I want to feel love, run through my blood
Tell me is this where I give it all up?
For you I have to risk it all
Cause the writing's on the wall

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Sara vai ao P3 - Umas noções básicas sobre o papel do tradutor

Escrever contos e reflexões é uma das minhas atividades de eleição, a que me dedico em quase todos os tempos livres, por mais fragmentados que sejam.
Uma das minhas grandes paixões é, sem dúvida, a tradução: é aquilo que escolher fazer todos os dias úteis da minha vida.
No P3 encontrei o local ideal para partilhar uma das minhas visões sobre a tradução, esperando responder a uma das perguntas que mais me fazem quando digo qual é a minha profissão: mas o google não faz isso automaticamente?

Quem quiser ler o artigo pode encontrá-lo seguindo o link abaixo:

Minuciosa angústia

Mónica tinha a vida planeada ao detalhe numa perspetiva de médio e de longo prazo. Se lhe perguntassem – na verdade não era necessário, já que os seus planos eram do conhecimento geral do público – em que ponto estaria a sua vida dali a um ano e meio, mesmo ainda sem um anel no dedo, sabia que estaria a casar. Faria uma lua-de-mel de um mês pela América Central de mochila às costas e quando voltasse abriria um centro de estudos na cave de casa dos pais. Um ano e meio depois teria o primeiro filho. Dois anos mais tarde o segundo e, se tudo corresse bem, teria o terceiro passados outros dois anos. Não havia muito por onde falhar, pelo que vivia tranquilamente cada dia, com a certeza reconfortante de que as carruagens deslizavam sem sobressaltos pelos carris traçados, abraçando as rotinas tranquilas de uma vida calma e preenchida pelo trabalho, pelos amigos e pelo seu grande amor.
Tal como combinado, um ano e meio mais tarde disse o sim em frente a todas as pessoas importantes para si, envergando o vestido que idealizara quando tinha dez anos. Por razões que não são relevantes para o efeito, a lua-de-mel tivera de ser adiada para o ano seguinte, mas não tinha mal: seria a celebração ideal do primeiro ano de casamento.
Todavia, alguém que detalha com este pormenor a planificação da sua vida, deveria ter detetado o cheiro do descarrilamento iminente que chegou numa bela tarde de março, ainda durante aquele ano zero de casamento, quando o seu recém-marido lhe comunicou que tinha uma amante. Bem, tinha tido, porque acabara por perceber que era Mónica a mulher da sua vida.
- Tarde demais – atirara-lhe ela, fingindo todo o amor-próprio que não sentia naquele momento.
A lua-de-mel ficou definitivamente em stand-by e do futuro centro de estudos fez a sua casa. Sem ter tempo sequer para refletir, tinha o seu mundo a girar ininterruptamente sobre as suas costas, pesando todos os dias mais um pouco, ao ponto de lhe provocar dores insuportáveis. De repente já não havia carris, nem sequer um trilho ou um troço de caminho que pudesse seguir e a única rotina que passou a ter era a de todas as manhãs ir para o trabalho.
Para além disso, sentia-se perdida. Todos os dias desejava intensamente arranjar um trabalho fora daquele colégio opressivo e procurava forças – que tardavam a chegar – para ir viver sozinha. Estava perdida, fora de si, longe de si, sem qualquer elemento familiar da sua vida anterior, agora que não podia contar com os amigos que, já sendo originalmente do ex-marido, lhe tinham sido lealmente roubados.
Sentia-se sozinha, presa numa teia sufocante sem ninguém, incapaz de vislumbrar num ponto ao longe, por muito longínquo que fosse esse lugar, uma saída triunfante.
Sabia que passaria o resto da vida assim, impossibilitada de voltar a construir uma família. Teve essa certeza quando, na altura prevista, não teve o primeiro filho. Já só poderia tentar o segundo e o terceiro, mas com quem?
Delineou, então, um plano B: se dali a cinco anos continuasse a ser a sua única família, teria um filho por inseminação artificial. Nascera para ser mãe. Tinha a certeza de que o propósito da sua existência, a sua maior vocação, era amar e criar seres humanos desde o primeiro momento da sua vinda ao mundo para se tornarem pessoas felizes, capazes de grandes feitos e de trazer algo de bom à humanidade.
As lágrimas que vertia eram de desespero e angústia ante a possibilidade de o potencial de maternidade poder estar-lhe definitivamente vedado por uma má escolha no passado e, se fosse extremamente sincera consigo mesma, nem esse plano B a reconfortava: não só ainda faltava demasiado tempo, como queria poder partilhar a vida e todas as suas componentes com um homem que amasse e que a amasse. Tal como, um dia, tivera a possibilidade de descobrir.
Era por isso que não fazia qualquer esforço no sentido de repor uma rotina no seu dia-a-dia, para incompreensão da mãe e repúdio do pai: a rotina aprisioná-la-ia dentro de si mesma, no seu pequeno mundo vazio de gente, de caras novas, de embriões de algo seu.
Chegava ao final de cada dia esgotada, incapaz de segurar os olhos abertos e frustrada por se terem passado mais vinte e quatro horas de um esforço vão.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Paradoxo da inocência

Era um sábado pouco depois da mudança da hora do final de outubro, pelo que às seis horas da tarde já era noite cerrada, cuja escuridão por si só já intensa era acentuada pela chuva que começara a cair de manhã e não parara ainda.
Entrei numa dos muitos enormes armazéns geridos por imigrantes chineses que vendem desde vernizes a tangas, passando por missangas, carteiras, canecas e coadores. Deambulei pelos corredores só a ver e, ao virar uma esquina, ouvi uma voz fininha de criança a perguntar:
- Como te chamas?
Parei a minha caminhada ao dar de caras com uma menina de olhos rasgados, cabelos negros muito lisos e repas caídas sobre as pestanas. Sentada numa montanha de tapetes coloridos e com os pés enfiados debaixo de um banco azul de plástico, dava trincas muito pequeninas numa fatia de pera e olhava-me atenta.
Respondi-lhe, pronta para seguir em frente a encher os olhos de molduras e caixas de madeira com nomes recortados.
Mas ela tinha um questionário improvisado à espera das minhas respostas. Num instante estávamos num diálogo complexo, ela numa voz de menina de cinco anos com um português ainda débil que ia intercalando com chinês (como ela própria lhe chamou) quando a mãe lhe gritava algo do fundo da loja.
A Bia era a mais nova de três filhos, mas não por muito tempo. Olhei para a mãe, com uma barriga ainda muito pouco notória, e senti uma vontade imensa de poder passar pelo mesmo que ela; de poder ter uma data de miúdos à minha volta numa fria tarde de sábado de outono.
Não pude perder-me muito tempo nos meus devaneios sobre se alguma vez virei a ser mãe – e que, verdade seja dita, não me levariam a conclusão nenhuma – porque a Bia passou a explicar-me que quem vai às compras deve sempre ter uma lista, para saber o que vai comprar. Entre risinhos e expressões envergonhadas de quem está a falar com uma estranha, contou-me que já sabe fazer o P maiúsculo e minúsculo, que passa os fins-de-semana na loja que também é a casa dela e que, às vezes, faz os trabalhos de casa e vê televisão.
A certa altura levantou-se, correu até ao final do corredor, para dizer algo ao irmão, riu-se, ofereceu-me uma fatia de pera, despediu-se de mim e voltou a sentar-se no monte de tapetes, com os pés debaixo do banco azul, a acabar de comer enquanto brincava com uma bola.
Ali estava eu, insatisfeita apesar de tantos projetos em mãos, de tantos filmes para ver, de tantos livros para ler, de tantas pessoas com quem conversar. E ali estava ela, entretida e divertida com o pouco que tinha, naquele momento, à disposição, sem parecer precisar de mais.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Essa boca linda

Entrou no carro dele com a cabeça protegida da chuva que começara a cair naquele momento, sincronizada com o seu horário de saída. Deu-lhe um beijo fugidio, preocupada em recompor o cabelo levantado pelo vento antes que ele a observasse com atenção.
Tinham combinado ir comer qualquer coisa rápida e dar uma volta por determinadas lojas que ele lhe enunciara detalhadamente, explicando o que pretendia comprar. Mas ela, absorta no movimento hipnotizante da boca dele, ignorara as palavras que dela saíam, prestando, apenas, atenção à musicalidade da sua voz.
Fechou a pala com o espelho onde verificara o estado do seu aspeto e olhou-o inquiridoramente, esperando que arrancasse com o carro.
Ele respondeu-lhe:
- Estou à espera de que me dês um beijo em condições.
Em vez de virar para a direita no cruzamento, ele seguiu com o carro em frente, em direção à praia.
- Não ias comprar… qualquer coisa que nunca cheguei a saber o que era?
Ele riu-se:
- Tens de começar a prestar atenção às coisas que eu te digo.
- Tu distrais-me – confessou ela, com um sorriso.
Ele riu-se novamente e estacionou o carro.
A chuva caía desesperadamente sobre o tejadilho, escorrendo pelos vidros fechados, fundindo-se, lá ao longe, com o mar revolto que desfilava sem qualquer ordem diante dos seus olhos.
Ele abraçou-a, puxando-a para si e pousando-lhe um beijo no pescoço. Ela, de olhos fechados, inalou-lhe o perfume e aconchegou-se naquele abraço terno.
Deixou-se ficar assim, mesmo quando a perna torta começou a ficar dormente, sentindo apenas o calor do corpo dele aquecer o dela, ouvindo-lhe as batidas do coração e a respiração tranquila.
Sorriu ante essa constatação: ele, com os braços envolvendo-a a ela, no meio daquele temporal na pausa de um dia de trabalho, estava tranquilo.
Gostava dele de uma forma que não conseguia pôr em palavras. Há palavras para o descrever, sim: gosto de ti, adoro-te, amo-te, com diversos advérbios de quantidade e de intensidade disponíveis para o acentuar, mas não chegavam. Não. Em todo o dicionário não havia termos que conseguissem traduzir verbalmente aquela necessidade dele, aquela vontade de ser parte integrante da sua vida, de originar vida com ele, de estar ao seu lado nos momentos relevantes e em todos os outros. Não havia, sobretudo, algo que expressasse a plenitude que experienciava quando estavam juntos, encapando um receio constante de que esse tempo partilhado fosse efémero.
Ele revestia-lhe a vida da serenidade que passara tanto tempo a procurar, ainda que, quando o cérebro se ligasse, sentisse a tal onda de medo de que um dia podia não voltar a vê-lo.
Desfazendo o abraço, viu-lhe aquele sorriso. Qualquer um deles era bonito, formado por aqueles lábios desenhados ao mais ínfimo pormenor, detalhadamente pensados, para que nada fosse deixado ao acaso. Mas era aquele que a enchia de um amor imenso, que punha o seu coração a dar pulos de alegria dentro do peito.
Ligeiramente corado, ele contraía os lábios, fechando-os, para que o sorriso não se rasgasse, quase como se guardasse um segredo. As bochechas tremiam-lhe e os olhos, com um brilho tão intenso, diziam quase tudo aquilo que a sua boca não conseguia pronunciar.
Antes de poder perguntar-lhe “o que foi?”, ele disse:
- És bonita e eu gosto de ti.
Ela soltou dois risinhos e aninhou-se-lhe no peito, movendo-se para cima e para baixo ao ritmo da sua respiração.

♥ segunda feira



I'll hold on tight to you, never let it go, your love's one in a million.
I'd put up a fight for you, can't make it on my own , your love's one in a million.
And if I lose your heart, I'm sure I'd fall apart. 
You are the sun to me, 
you're my everything, 
your love's one in a million