sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Minuciosa angústia

Mónica tinha a vida planeada ao detalhe numa perspetiva de médio e de longo prazo. Se lhe perguntassem – na verdade não era necessário, já que os seus planos eram do conhecimento geral do público – em que ponto estaria a sua vida dali a um ano e meio, mesmo ainda sem um anel no dedo, sabia que estaria a casar. Faria uma lua-de-mel de um mês pela América Central de mochila às costas e quando voltasse abriria um centro de estudos na cave de casa dos pais. Um ano e meio depois teria o primeiro filho. Dois anos mais tarde o segundo e, se tudo corresse bem, teria o terceiro passados outros dois anos. Não havia muito por onde falhar, pelo que vivia tranquilamente cada dia, com a certeza reconfortante de que as carruagens deslizavam sem sobressaltos pelos carris traçados, abraçando as rotinas tranquilas de uma vida calma e preenchida pelo trabalho, pelos amigos e pelo seu grande amor.
Tal como combinado, um ano e meio mais tarde disse o sim em frente a todas as pessoas importantes para si, envergando o vestido que idealizara quando tinha dez anos. Por razões que não são relevantes para o efeito, a lua-de-mel tivera de ser adiada para o ano seguinte, mas não tinha mal: seria a celebração ideal do primeiro ano de casamento.
Todavia, alguém que detalha com este pormenor a planificação da sua vida, deveria ter detetado o cheiro do descarrilamento iminente que chegou numa bela tarde de março, ainda durante aquele ano zero de casamento, quando o seu recém-marido lhe comunicou que tinha uma amante. Bem, tinha tido, porque acabara por perceber que era Mónica a mulher da sua vida.
- Tarde demais – atirara-lhe ela, fingindo todo o amor-próprio que não sentia naquele momento.
A lua-de-mel ficou definitivamente em stand-by e do futuro centro de estudos fez a sua casa. Sem ter tempo sequer para refletir, tinha o seu mundo a girar ininterruptamente sobre as suas costas, pesando todos os dias mais um pouco, ao ponto de lhe provocar dores insuportáveis. De repente já não havia carris, nem sequer um trilho ou um troço de caminho que pudesse seguir e a única rotina que passou a ter era a de todas as manhãs ir para o trabalho.
Para além disso, sentia-se perdida. Todos os dias desejava intensamente arranjar um trabalho fora daquele colégio opressivo e procurava forças – que tardavam a chegar – para ir viver sozinha. Estava perdida, fora de si, longe de si, sem qualquer elemento familiar da sua vida anterior, agora que não podia contar com os amigos que, já sendo originalmente do ex-marido, lhe tinham sido lealmente roubados.
Sentia-se sozinha, presa numa teia sufocante sem ninguém, incapaz de vislumbrar num ponto ao longe, por muito longínquo que fosse esse lugar, uma saída triunfante.
Sabia que passaria o resto da vida assim, impossibilitada de voltar a construir uma família. Teve essa certeza quando, na altura prevista, não teve o primeiro filho. Já só poderia tentar o segundo e o terceiro, mas com quem?
Delineou, então, um plano B: se dali a cinco anos continuasse a ser a sua única família, teria um filho por inseminação artificial. Nascera para ser mãe. Tinha a certeza de que o propósito da sua existência, a sua maior vocação, era amar e criar seres humanos desde o primeiro momento da sua vinda ao mundo para se tornarem pessoas felizes, capazes de grandes feitos e de trazer algo de bom à humanidade.
As lágrimas que vertia eram de desespero e angústia ante a possibilidade de o potencial de maternidade poder estar-lhe definitivamente vedado por uma má escolha no passado e, se fosse extremamente sincera consigo mesma, nem esse plano B a reconfortava: não só ainda faltava demasiado tempo, como queria poder partilhar a vida e todas as suas componentes com um homem que amasse e que a amasse. Tal como, um dia, tivera a possibilidade de descobrir.
Era por isso que não fazia qualquer esforço no sentido de repor uma rotina no seu dia-a-dia, para incompreensão da mãe e repúdio do pai: a rotina aprisioná-la-ia dentro de si mesma, no seu pequeno mundo vazio de gente, de caras novas, de embriões de algo seu.
Chegava ao final de cada dia esgotada, incapaz de segurar os olhos abertos e frustrada por se terem passado mais vinte e quatro horas de um esforço vão.

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