sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

A vida depois da morte (crónica originalmente publicada no P3)

Vimos, em lágrimas, o Scar matar o irmão, Mufasa, n’”O Rei Leão” e os caçadores a deixar o Bambi órfão de mãe. Isto foi a “Disney” a pôr-nos – a muitos de nós provavelmente pela primeira vez – em contacto com a morte.

Ao longo da vida fomos convivendo com ela, sob a forma de perda de um animal de estimação, de um familiar afastado, de familiares de amigos/colegas ou, mais indirectamente, através das notícias e de variados programas de televisão. Ainda assim, nada nos prepara para a morte de alguém que nos é próximo, sobretudo se ocorrer demasiado cedo. Não há uma idade mínima para morrer, é certo, mas este fenómeno torna-se mais difícil de aceitar e de compreender se a pessoa nos foi roubada numa subversão da ordem da natureza, deixando ainda vários anos de vida activa por preencher, planos por concretizar, ensinamentos por dar e legados por deixar.

Os crentes confortam-se na esperança numa vida etérea e eterna, onde os bandidos são castigados e impedidos de entrar em contacto com as boas pessoas, confortavelmente instaladas num local sobranceiro, privilegiadamente posicionadas de forma a conseguirem zelar por quem continua ainda na fase da vida terrena. Acreditando que, mais tarde ou mais cedo, se praticarem o bem, irão reunir-se àqueles que já perderam, encontram bem-estar rezando e em locais como as igrejas ou os cemitérios, onde a ideia de proximidade atenua a sensação de perda e de ausência.

Os cépticos, por seu lado, confiantes de que a morte é apenas o fim da vida, ficam desamparados, carentes de quem partiu, sozinhos no seu luto, sem comunicação, sem expectativa de um reencontro. Resta-lhes — e talvez não seja assim tão pouco — aplicar essa visão objectiva e prática à perpetuação da vida dos mortos.

A boa notícia é que qualquer pessoa, em princípio, tem e deixou algo de bom que possa ser continuado: o humor, a inteligência, a capacidade de espalhar felicidade, a dedicação aos outros. Compete-nos encontrar a característica que mais se coaduna à nossa personalidade ou, até, adaptarmo-nos a ela, alterando o nosso rumo de forma a podermos perpetuar a passagem dos nossos entes queridos pela vida. Poderá ser, em muitos casos, um momento de auto-reflexão e consequente melhoria da nossa própria vida em termos de decisões, de atitudes e de pensamentos.

E assim, talvez seja possível encontrarmos em nós e naqueles cuja existência melhorámos a partir desse momento, algo da pessoa que perdemos, disseminando-a pelas diversas gerações. Eternizando-a.

Porque ao contrário dos filmes da “Disney”, em que há sempre um culpado – e um castigo adequado – da morte dos nossos heróis, na realidade somos os únicos responsáveis por encontrar a melhor forma de aceitação e de prosseguir, em paz.

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